quinta-feira, 11 de junho de 2015

A contracepção (Cardeal Ratzinger)

P: Senhor Cardeal, muitos fiéis não compreendem a atitude da Igreja em relação à contracepção. Compreende por que não a compreendem?

R: Sim, pode-se compreender muito bem, é realmente complicado. Com as dificuldades do mundo actual em que o número de crianças não pode ser mais elevado, por causa das condições de habitação e por muitas outras razões, compreende-se muito bem. Devíamos agarrar-nos menos à casuística do caso individual, mas olhar para as grandes intenções da Igreja.
Julgo que, neste contexto, se trata de três opções essenciais. A primeira é adoptar, fundamentalmente, uma atitude positiva em relação ao lugar da criança na humanidade. Verifica-se neste domínio uma mudança curiosa. Enquanto que a benção dos filhos era considerada uma benção por excelência nas sociedades simples até ao século XIX, hoje as crianças são quase consideradas como uma ameaça. Pensa-se que nos tiram o lugar do futuro, ameaçam o nosso espaço vital, etc. Trata-se de uma primeira intenção, de voltar a encontrar a perspectiva originária, a verdadeira perspectiva, segundo a qual a criança, o Homem novo, é uma benção. Que é precisamente por darmos a vida que também recebemos a vida e que este sair de si e aceitar a benção da criação é fundamentalmente bom para o Homem.

O segundo ponto é que hoje estamos perante uma divisão entre sexualidade e procriação, que antes se desconhecia, que torna necessário que se considere a relação interior entre ambas.

Entretanto são feitas declarações espantosas por representantes da geração de 68, que fizeram essa experiência. Rainer Langhaus, por exemplo, que dantes procurava nas suas comunidades a “sexualidade orgásmica”, afirma que “através da pílula, a sexualidade foi isolada do seu elemento espiritual. As pessoas foram enviadas para um beco sem saída”. Langhaus lamenta que agora “já não haja nenhuma doação de si mesmo, nenhuma entrega”. O “mais elevado” da sexualidade, assim afirma hoje, é a “paternidade e a maternidade”. Chama a isto “colaboração com o plano de Deus”.

Desenvolve-se cada vez mais no sentido de serem duas realidades completamente separadas. Encontramos em Aldous Huxley, no célebre romance de ficção Admirável mundo novo, uma visão muito fundada e muito clara, na sua dimensão trágica humana, de um mundo vindouro em que a sexualidade está totalmente separada da procriação. As crianças são planeadas segundo regras e fabricadas em laboratórios. É uma caricatura intencional, mas, como todas as caricaturas, revela alguma coisa; que a criança deve ser planeada e fabricada, e sujeita ao controlo da razão. E, assim, o Homem destrói-se a si mesmo. As crianças transformam-se em produtos em que as pessoas se querem representar a si mesmas; antes das crianças nascerem, já se lhes roubou o seu próprio projecto de vida. E a sexualidade, por sua vez, tornou-se nalguma coisa de substituível. Claro que também se perde a relação entre mulher e homem; vemos como esta situação se desenvolve.

Na questão da contracepção trata-se, pois, de tais opções fundamentais, que a Igreja quer que o homem seja ele mesmo. Porque a terceira opção, neste contexto, é que não se pode resolver grandes problemas morais, simplesmente com técnicas, com química, mas que é preciso resolvê-los moralmente através de um estilo de vida. Este é, julgo eu, independemente da contracepção, um dos nossos grandes perigos; o facto de também querermos dominar a existência humana com a técnica e de já não sabermos que existem problemas humanos originários que não podem ser resolvidos através da técnica, mas que exigem um estilo de vida e certas decisões de vida. Em relação à contracepção diria que se devia considerar mais estas grandes opções fundamentais em que a Igreja luta pelo ser humano. E pô-lo em evidência é o sentido das intervenções da Igreja, que talvez não sejam sempre formuladas de modo feliz, mas nas quais estão em jogo as grandes orientações da existência humana.


Fonte: RATZINGER, Joseph. O Sal da Terra. Disponível em http://www.ocampones.com/?p=14655

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