Dom Fernando Arêas Rifan*
Foi encontrado no
Oriente, em escavações arqueológicas, um “manuscrito” em aramaico, dos fins do
século I, atribuído a um grupo de cristãos reacionários, oriundos das seitas
dos fariseus (críticos radicais) e dos saduceus (incrédulos). Por isso, esse
documento, cuja autenticidade ainda está sendo estudada, foi classificado como CrisFarSad
I, do qual citamos alguns trechos. O que é interessante é que o texto
coincide com muitos fatos narrados nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos.
“Em
nossa comunidade tem acontecido alguns problemas e desuniões. Respeitamos os
Apóstolos, os primeiros discípulos de Jesus, mas questionamos o tal ‘colégio
apostólico’, pois, apesar de ter em seu seio muitos homens bons, é conivente
com falhas, posições erradas e heterodoxas e com membros deletérios”.
“O
pior deles foi Judas Iscariotes, o avarento que traiu Jesus. Além dele, Pedro é
pessoa desqualificada para o cargo, pois, negou conhecer Jesus na hora mais
difícil, e, depois de ter sido escolhido como seu representante na terra,
vacilou várias vezes, especialmente na questão das nossas tradições judaicas.
Simão, o zelotes, ligado aos radicais anti-romanos, é bom. Tiago é o mais
firme. Mas todos eles são culpados de cumplicidade e omissão, por terem sido
covardes e consentido em seu meio, sem protestar, a presença do traidor. Foram
covardes, talvez com medo de perder o cargo”.
“Um
problema crucial aconteceu no último Concílio, reunião dos Apóstolos em
Jerusalém, do qual questionamos até a legitimidade, pois ali a divisão ficou
patente entre os conservadores, representados por Tiago, e os avançados, cujos
porta-vozes foram Paulo e Barnabé, favoráveis a uma abertura aos gentios. Estes
dois últimos e sua ala acabaram vencendo, inclusive contrariando a prática de
Jesus, que observou as tradições judaicas da circuncisão e do sábado. É por
isso que, em nome da nossa tradição e de Jesus, nós resistimos às resoluções
desse Concílio”.
“Além
disso, Paulo é reconhecidamente vacilante, um vai-e-vem, pois, depois de ter
resistido a Pedro nesta questão e ter escrito aos nossos irmãos Gálatas que não
seria necessário guardar tais ritos, ele mesmo circuncidou Timóteo, com medo
dos judeus. É um conciliador, alguém que quer estar bem com os dois lados”.
“Alguns
de nós, estão questionando até a própria divindade de Jesus, pois não é
possível que ele, sendo Deus, tenha escolhido Judas Iscariotes, que ele sabia,
ou devia saber, ser um ambicioso e traidor, e o conservado até o fim, além de
ter escolhido para Apóstolos esses homens fracos, e confiado a eles a sua
Igreja”.
“E Jesus, ao invés de se mostrar forte e
atacar os Romanos pagãos que nos oprimiam e oprimem, não disse nada contra
eles, foi conivente com esse poder dominante a ponto de lhes pagar o imposto e
dizer que devíamos o tributo a César, pagão e opressor do cristianismo. Afinal,
o paganismo não é condenável?!” Como ser conivente com ele, sustentando-o pelo
tributo?!
Até aqui o tal “manuscrito”.
Na história da Igreja sempre apareceram
esses “críticos radicais reformadores”, que trilham um triste caminho: começam
a atacar a Igreja, olhando-a como uma instituição humana, querendo reformá-la,
e terminam por perder a fé no seu Divino Fundador, que a assiste infalivelmente
através do Espírito Santo e estará presente nela até a consumação dos séculos.
Mas,
os inimigos, externos e internos, passam e, apesar das nossas fraquezas, “a
Igreja, que reúne em seu seio os pecadores, é, ao mesmo tempo, santa e sempre
necessitada de purificação”, e “continua o seu peregrinar entre as perseguições
do mundo e as consolações de Deus (Santo Agostinho)... No poder do Senhor
ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias
aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com
fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim dos
tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz” (LG 8).
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João
Maria Vianney