14.02.2016 – Pe Daniel P Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Sublime canto do Trato. Bastaria isso para reconhecer que a Igreja Católica é a verdadeira. Tirando o pouco de exagero, que não é tão exagero, temos a grande graça de degustar desses tesouros imemoriais de nossa Santa Igreja. Um canto desse só pode ser formado pela mão de Deus. Eleva a alma a Deus, eleva a nossa inteligência a Deus e firma nossa vontade a Ele, sem apelar ao sentimento e rebaixar o homem como fazem essas músicas modernas que temos, infelizmente, na maioria da igrejas e Missas modernas. E há quantos e quantos séculos os católicos assim louvam a Deus. Que grande graça. Gostaria muito que vocês tivessem esse gosto e apreço profundo por esses tesouros tremendos de nossa liturgia, que foram simplesmente destruídos, que nos foram retirados pelos desejosos da inovação, pelos desejosos de adaptar tudo ao homem. É simplesmente sublime, divino.
Canto do Trato do 1º Domingo da Quaresma no Rito Romano Tradicional – Qui habitat – pelos Monges Beneditinos da Abadia Notre-Dame de Triors.
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O tempo favorável, é agora; é agora o dia da salvação.
Caros católicos, a Quaresma, como já falamos é tempo de graças abundantes. Não podemos receber em vão essas graças que Deus quer nos dar, como nos diz São Paulo na Epístola de hoje. Devemos recebê-las com boa disposição, com disposição de nos converter. Deus nos diz hoje pela sua Igreja (Epístola): “Ouvi-te no tempo favorável, e ajudei-te no dia da salvação: O tempo favorável, é agora; é agora o dia da salvação.” Deus vai nos ouvir nesse tempo favorável. Ele vai nos ajudar nesse dia de salvação. Não deixemos passar a graça.
Na Quaresma, trata-se de vencer o pecado e viver para Deus. Sempre com o auxílio dEle. Trata-se de combater as nossas más inclinações e adquirir a virtude, que é a inclinação para o bem. Temos insistido nisso e não poderia ser diferente. A Igreja na sua liturgia insiste nisso. E é essa a graça que Deus quer nos dar: a vitória sobre o pecado e a união com Ele. Nós temos hoje o Evangelho que nos mostra como devemos vencer as tentações e temos a belíssima Epístola de São Paulo, que nos mostra como avançar no bem.
Comecemos pela lição que nos dá o próprio Senhor para que resistamos à tentação. Após ter recebido o batismo no Jordão, pelas mãos de João, o Batista, Nosso Senhor vai ao deserto. Conduzido pelo Espírito Santo, nos diz a Sagrada Escritura. A primeira lição é essa: conduzido pelo Espírito Santo. Nosso Senhor não se colocou em ocasião de pecado, em uma situação que o conduziria ao pecado. Não, Nosso Senhor estava fazendo uma boa obra, jejuando e, certamente, rezando, durante quarenta dias e quarenta noites. A primeira coisa para vencer a tentação e não cair em pecado é, portanto, não procurar o pecado. Não devemos nos colocar em ocasião de pecado voluntária, caros católicos. Por ocasião de pecado entendem-se todas aquelas circunstâncias de tempo, de lugar, de pessoas ou de coisas, que, pela sua própria natureza, ou pela nossa fragilidade, nos induzem a cometer o pecado. Somos gravemente obrigados a evitar as ocasiões perigosas voluntárias que de ordinário nos levam a cometer o pecado mortal, e que se chamam ocasiões próximas de pecado. Quem ama o perigo, perecerá pelo perigo. A primeira lição do Evangelho de hoje é essa: para vencer a tentação e não cair em pecado devemos fugir da ocasião de pecado.
E, como já dissemos, Nosso Senhor passou quarenta dias e quarenta noites jejuando rezando. Se quisermos vencer as tentações, será preciso ter uma vida sólida de oração e de profunda negação de nós mesmos. Nosso Senhor mesmo o diz: “quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.” Depois desses quarenta dias e quarenta noites, Nosso Senhor teve fome. O Evangelista diz quarenta dias e quarenta noites para deixar claro que Jesus jejuou não somente até o pôr-do-sol, como era o costume entre os judeus na época, mas durante o tempo inteiro. E o demônio achou, então, percebendo a fome de Cristo, que o Salvador fosse simplesmente um homem, sem saber que Nosso Senhor é também Deus. Mas quem é que sente fome só depois de quarenta dias e quarenta noites? Evidentemente, não se tratava aí de um homem comum. Depois de quarenta dias, Nosso Senhor teve fome. Na verdade, quis ter fome. E o demônio pensou que fosse um homem, talvez privilegiado, mas capaz de ceder à tentação. E Nosso Senhor deixa, então, que o demônio se aproxime para tentá-lo. De três tipos são as tentações do demônio para com Nosso Senhor e que resumem todas as suas tentações para conosco. Primeiro, o demônio sugere que Cristo satisfaça a sua fome e transforme a pedra em pão fazendo um milagre e desobedecendo, assim, a Deus, que o tinha mandado ali para jejuar. É a tentação da concupiscência da carne, o desejo de satisfazer nossas inclinações mesmo quando elas se opõem a Deus. Nosso Senhor não faz o milagre, escondendo dessa forma, a sua divindade e mantendo a perfeita uniformidade com a vontade de Deus. Cristo responde citando a Sagrada Escritura dizendo que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
Em seguida, o demônio leva Jesus ao pináculo do Templo. Na verdade, Jesus se deixa levar. O demônio diz para Jesus se jogar, pois está escrito na Sagrada Escritura que os anjos cuidarão do justo. Seria um grande milagre e todos conheceriam, então, que ele é o Messias. Haviam, além disso, uma tradição judaica, errônea, que dizia que o Messias falaria do pináculo do Templo de Jerusalém. É a tentação da soberba, da vaidade. Tentação que pode atingir mesmo as melhores obras que fazemos, como a oração, a caridade e outras. Pelo orgulho, pela vaidade as fazemos para aparecer diante dos outros, para sermos exaltados. Nosso Senhor responde também com a Sagrada Escritura: não tentarás ao Senhor, teu Deus.
Finalmente, o demônio, já um pouco desesperado, tenta grosseiramente a Cristo, mostrando, com magia, todos os reinos do mundo com suas riquezas e diz, mentindo, que é o dono delas e que pode dar a quem quiser. E o demônio diz que dará a Jesus, se Jesus se prostrar diante dele e o adorar. Uma tentação grosseira porque muito direta. E Jesus expulsa o demônio e cita novamente a Palavra de Deus: O Senhor, teu Deus, adorarás, e só a Ele servirás. Essa foi a tentação da avareza que nos dirige aos bens desse mundo, fazendo-nos esquecer dos bens espirituais.
São essas tentações – concupiscência da carne, soberba e desejo desordenado pelos bens desse mundo – que temos que enfrentar no nosso cotidiano, mas que podemos vencer com a ajuda da graça divina, não nos colocando em ocasião de pecado, rezando e negando a nós mesmos.
Devemos destacar também que Nosso Senhor vence o demônio citando a Sagrada Escritura. Isso mostra que, para agirmos corretamente, devemos conhecer a verdade, devemos conhecer a doutrina católica, a fim de não nos enganarmos, para nãos nos deixarmos levar pelas astúcias do demônio. O demônio tenta Jesus citando a Sagrada Escritura, evidentemente, tirando a passagem do contexto e dando-lhe uma interpretação falsa. O demônio não nos tenta dizendo: faça isso, isso é um mal e um pecado. Ele sempre nos tenta com um mal revestido de aparência de bem. Para resistir a essa astúcia, é preciso também conhecer o que nos ensina a doutrina católica. Nossa vontade só se decide de modo veemente contra o mal e a favor do bem quando conhece profundamente a gravidade do mal, do pecado, e quando conhece a profundamente a beleza do bem. Não nos colocar em ocasião de pecado, rezar, fazer penitência, negar-nos a nós mesmos e conhecer a nossa santa religião. É disso que precisamos para vencer o pecado.
Vale lembrar que essas tentações em Cristo foram meramente exteriores. Em momento algum a sua alma chegou a se inclinar para o pecado ou a se perturbar. Essas tentações em nada o afetaram.
Mas não basta vencer o pecado. É preciso avançar no amor a Deus, fazendo as obras que vêm de Deus. E São Paulo traça, na Epístola de hoje, algumas das virtudes de que mais precisamos. Na primeira parte, o Apóstolo nos fala da paciência. Precisamos de muita paciência, para perseverar no bem e não desviar para o mal. Muita paciência nas tribulações, nas necessidades, nas angústias, nos açoites, nos cárceres, nas sedições, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns. E continua como devemos nos comportar enumerando muitas virtudes: a castidade, a ciência, a longanimidade, a mansidão, com o Espírito Santo, com uma caridade não fingida (uma caridade verdadeira, que busca Deus e a salvação do próximo) com a palavra da verdade, com o poder de Deus, com as armas ofensivas e defensivas da justiça. E devemos permanecer no bem em qualquer situação: quando somos estimados ou não, quando falam bem de nós ou quando nos caluniam. E, agindo como bons cristãos, seremos considerados como tristes pelo mundo, embora sejamos sempre alegres; seremos considerados como pobres, mas enriqueceremos a nós mesmos e a muitos com os bens espirituais. Dirá o mundo que não temos nada porque não colocamos nas coisas do mundo nosso coração, mas possuiremos tudo porque possuiremos Deus.
Temos na Epístola e no Evangelho de hoje um bom programa para esse tempo de Quaresma e para a nossa vida.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.