sexta-feira, 31 de julho de 2015

Prestar contas dos bens que recebemos de Deus

Sermão do Padre Daniel Pinheiro, IBP, para o VIII domingo depois de Pentecostes.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Redde rationem vilicationis tuae. Dá conta da tua administração.

Todos nós, caros católicos, ouviremos da boca de Deus essa ordem: dá conta da tua administração. Ouviremos essa ordem da boca de Deus no juízo particular, no exato momento de nossa morte, em que saberemos se iremos para o inferno, para o céu ou para o purgatório, onde seremos purificados de nossas faltas leves ou expiaremos nossas penas temporais para irmos em seguida ao céu.



É nesse momento tremendo da nossa morte, quando a alma se separa do corpo, que teremos que prestar contas da nossa administração. Da administração dos bens espirituais que recebemos de Deus e dos bens materiais que recebemos de Deus. Ao contrário do feitor iníquo do Evangelho, não teremos mais, nesse momento, tempo para diminuir a nossa dívida para com Deus.

É importantíssimo notar, caros católicos, que somos apenas administradores de tudo o que temos: da nossa vida, da nossa inteligência, da nossa vontade, do nosso corpo, dos nossos bens materiais. Nós não temos o domínio pleno sobre essas coisas. Não podemos, portanto, fazer com elas o que nos agrade simplesmente. Não. Como administradores, devemos utilizar essas coisas para agradar ao Senhor delas, que é Deus. Apenas Deus tem o soberano domínio sobre todas as coisas. Nós, como administradores, devemos usar nossa inteligência, nossa vontade, nosso corpo, nossos bens materiais segundo a vontade de Deus. E sabemos qual é a vontade de Deus pela lei natural – que podemos conhecer pela razão – e pela lei divina – que conhecemos pela Revelação que nos é transmitida pela Igreja. Por exemplo, pela lei natural, ou seja, pelo simples uso da razão, podemos reconhecer que Deus distinguiu os seres humanos entre os sexos masculino e feminino e que Ele deu ao ser humano a faculdade de reprodução justamente para que houvesse a procriação, a preservação e propagação da espécie pela união de um homem e de uma mulher. Assim, a simples razão, considerando a natureza das coisas, mostra que o uso dessa faculdade deve sempre ser feita de maneira apta à procriação, sendo completamente irracionais e, portanto, gravemente pecaminosas as uniões homossexuais ou uniões que impeçam a procriação. Basta a razão para reconhecer isso. Pela Revelação, ou pela lei divina, sabemos, por exemplo, que devemos receber o Batismo, se queremos ser salvos.

Somos, então, administradores que devem usar todas as coisas em conformidade com a vontade do soberano senhor de todas as coisas, que é Deus. E isso, claro, é um grande bem para nós, pois a vontade de Deus é sempre perfeita e boa. Vejamos como devemos administrar os bens que Deus nos deu. Nossa inteligência deve se submeter a Deus pela fé, aderindo às verdades que nos foram reveladas por Ele e que nos são transmitidas pela Igreja. Administraríamos bem mal nossa inteligência se recusássemos acreditar em NSJC, se afirmássemos a independência de nossa inteligência com relação a Deus, que é a Verdade. Nossa vontade deve esperar em Deus, que é misericordioso e onipotente, e deve amar a Deus, que é o bem infinito. Administraríamos bem mal nossa vontade, se esperássemos em alguma criatura ou se amássemos uma criatura mais do que a Deus. Nossas emoções devem se submeter à razão iluminada pela fé e devem nos auxiliar na prática das boas obras. Administraríamos bem mal as nossas emoções, se nos deixássemos levar por elas, contrariando a razão e a fé. Nosso corpo deve servir a Deus e não simplesmente a si mesmo ou aos seus caprichos. Administraríamos muito mal nosso corpo se vivêssemos somente para ele. Também os bens materiais externos devem ser administrados em vista da glória de Deus e do bem da nossa alma.

A sociedade moderna, justamente, administra muito mal todas as coisas dadas por Deus. A inteligência se rebela contra Deus. A vontade espera nos bens desse mundo, ou em homens, ou em grupos, ou em formas de governo. A vontade ama mais as criaturas do que a Deus. Os sentimentos são soberanos e guiam a vida das pessoas. As pessoas acreditam ter um domínio pleno sobre o próprio corpo para fazerem o que bem entendem, ao ponto de os abortistas afirmarem que o aborto pode ser realizado porque o feto faz parte do corpo da mulher. Primeiro, é evidente que o feto não faz parte do corpo da mulher, mas, ainda que fizesse, não seria lícito o aborto, pois não podemos fazer o que bem entendermos com o nosso corpo. Assim, não podemos tirar a nossa própria vida, não podemos mutilar o nosso corpo, por exemplo, inutilizando uma parte dele sem necessidade grave. Podemos dispor de nosso corpo apenas para os usos estabelecidos por Deus.

No dia do juízo particular, quer dizer, no dia de nossa morte, Deus nos pedirá contas de nossa administração. Reparemos bem que Deus nos pedirá conta da nossa administração e não da administração de outra pessoa: “dá conta da tua administração.” Deus não nos pedirá a conta da administração de nosso vizinho, do nosso parente, de tal pessoa pública, de tal bispo, do Papa. Ele não nos perguntará o que fez fulano de tal, o que fez tal outro, o que fez o Papa. Ele perguntará o que eu fiz. Ele pedirá a conta da minha administração. Infelizmente, é muito comum, nesses tempos de confusão, nos preocuparmos demasiadamente com a administração dos outros, sobretudo se são pessoas constituídas em autoridade, e nos esquecermos da nossa própria administração. Claro está que as ações das autoridades têm consequências sérias para nós e que não podemos nos alienar, mas, em última instância, é da nossa vida, das nossas ações, dos nossos pensamentos que teremos que prestar contas a Deus nesse dia tremendo de nossa morte. De que me vale a preocupação excessiva com os outros se não consigo administrar, segundo a vontade de Deus, a minha própria vida, a minha própria família. De que me vale propagar supostamente o reino de Cristo por palavras, se, pelos meus pecados não seriamente combatidos, propago o reino do demônio?

Sejamos, caros católicos, administradores fiéis de tudo o que recebemos de Deus, para que não ouçamos da boca do Senhor no dia de nossa morte a terrível sentença: “Servo mau e preguiçoso! E a esse servo inútil, jogai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.” Que possamos viver de modo a ouvir no dia de nossa morte essas palavras suaves da boca de Nosso Salvador: “Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Entra na alegria do teu Senhor.” Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Fonte: São Pio V

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